quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Tarja preta


Oco. Vazio. Insignificante. Como descrever algo se já não sinto mais nada? Decifrar um estado de vácuo existencial foi algo que sempre tentei fazer. Entrava e saía de uma depressão como quem cai num buraco e já desconhece motivos para levantar-se. Por um momento aceitei as opiniões alheias e fui ao médico. O desgraçado do psiquiatra cismou em me entupir com anti depressivos. Saí do consultório num ímpeto incontestável buscando remédio para a ferida. Minha salvação foi que a farmácia mais próxima estava fechada. Em frente, havia uma livraria. Confesso que até hoje não sei o que me fez entrar, e agradeço aos céus por me mostrar o oásis que me salvou.
A perda do meu pai, a ausência de um amor...tudo isso contribuiu para meu estado depressivo. Achei que nunca mais voltaria a sorrir. Até me entregar às palavras. Não fossem as palavras de Marcelo Rubens Paiva, nunca poderia ter sentido o êxtase que tive ao ler Feliz ano velho. É indiscutível como as letras, as frases uma a uma penetravam em mim e como um orgasmo arrebatador, me faziam querer sempre mais. O mundo de Sofia, O vendedor de sonhos, O caçador de pipas, até mesmo as obras da Rainha dos crimes me trouxeram um doce desejo à vida. A morte no Nilo,Cai o pano... Livros que me fizeram ter o dom da percepção ensinado por Agatha Chrisite.
Aos poucos, criei coragem e comecei a produzir uns rabiscos. Se na vida real eu tinha medo de pontos finais, aprendi que uma vírgula pode fazer milagres. A vírgula, aquela pausa necessária para buscar fôlego para ir à frente, me ensinou a respirar. Aprendi que às vezes o bom mesmo é fazer uso das reticências, aquele fim que não acaba, aquela omissão do que poderia ou deveria ser dito. Ah! As palavras! Entram e saem de mim com uma audácia juvenil. Alojam-se em meu peito e mudam meu dia, meu ser. Fiz delas minha própria terapia.
A vida me ensinou que escrever é sempre uma saída. Para uns, é como dirigir na contra mão, com obstáculos a todo o momento e buracos na pista. Para mim, é ligar o piloto automático e deixar-me conduzir somente pelo encanto e o verdadeiro sentido cognitivo das palavras. No lugar de Fluoxetina, Prozaac ou qualquer outra química causadora de uma falsa alegria, um papel, caneta e algumas palavras. As minhas palavras. Meu remédio tarja preta. Minha dose diária cuja única precaução escrita no meu imaginário é: “Cuidado. Esse medicamento é contra indicado para aqueles cujo verdadeiro sentido da vida ainda não fora descoberto”.

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