quinta-feira, 13 de novembro de 2008

doce rubro.



As águas de março ainda caiam sobre a calçada adormecida. Miranda observa da janela semi serrada, o movimento dos pingos de água na rua. É uma quinta-feira cinzenta, escura, crua. Uma das mãos vai em direção a cortina para fechá-la, a outra segura o primeiro cigarro do dia.
Miranda contorna o sofá surrado de tantas noites dissimuladas e vai à busca de café. Entre um gole e uma tragada surgem as primeiras idéias para essa noite que antecede a sexta-feira.
Passa o dia a pensar, a fumar, a sonhar. Sonha com êxtase, com dor e com luxúria. Ela quer tudo em vermelho. Os olhos, o tapete, as lágrimas. Ah, as lágrimas! Essas sempre percorrem pelo seu rosto um caminho já trilhado e sabido. Gotículas de pranto, prazer. Um misto de gozo e culpa. Hoje, ela terá mais um daqueles momentos de glória.
A noite despenca e Miranda se depara com o espelho. A idade já não se esconde, porém a fome de libido, de vingança e prazer é bastante juvenil. Veste-se de vermelho. O mesmo que dá cor à paixão e ao sangue. Acende um cigarro e espera o relógio gritar oito horas.
O rapaz chega. Estatura mediana. Não serve para feio, entretanto não é dos mais belos. Ele surpreende-se com a decoração. Velas, fumaça, vermelho. A moça o cumprimenta com ardor e já o despe, com bem fez com todos. Atracados, os dois se entrelaçam até a cama – que já não se assusta com a cena não tão ímpar-.
Miranda o surpreende pedindo para que ele vire de costas e não se mova. Assustado, não hesita em obedecer. Ela então se levanta e caminha, já desnuda, em direção a vitrola. Coloca um vinil que em poucos segundos já arranha as primeiras notas de um tango. Um delicioso e sensual tango que penetra em Miranda e a faz gemer por dentro. O rapaz não ousa virar-se ao ouvir a melodia. Domada por um desejo inconseqüente, ela abre a gaveta do armário empoeirado. Ao som da musica caliente lambe, beija, admira a faca até então adormecida. Dança com o instrumento e caminha até a cama. Miranda dança, se esfrega, enlouquece o rapaz. Ainda que de olhos cerrados, ele sente o fervor da mulher que percorre seu corpo com a boca. Beija-lhe toda a espinha e enquanto ele geme, Miranda dá o golpe final.

A faca entra, rasga-lhe as entranhas e aí começa o gozo. Ela entra em transe ao ver o vermelho jorrando. O tango percorre por suas veias e o sangue do rapaz dava o colorido que faltava àquele quarto. Ela desfruta, em meio ao mar de sangue, daquela dança que já havia virado semanal.
Vermelho, tango, cigarros. Mais uma noite bem sucedida. Mais um prazer, menos um temor. O vermelho mistura-se com o cheiro picante do lençol. Miranda então sorri. A sexta-feira já nasce colorida.

Um comentário:

Gustavo Wolf disse...

Muito bom hein xu! Que pira! Palpitando, acho que ela poderia também lamber a faca no final, suculenta como a foto...