terça-feira, 19 de junho de 2007

Eu te procuro.

Olhos sonâmbulos, olheiras visíveis, carimbo de lágrima.
Rosto marcado, pele surrada, fronteira da dor.
Ainda assim, eu te procuro.

Perco a saúde, encontro ruínas e resíduos
Embriagado de dó, pena e compaixão
Acendo um cigarro, peço-lhe atenção
Mas ainda assim, eu te procuro.

Móveis empoeirados, sonhos apagados, pensamentos opacos
Nada me impede, nada me livra
Não me liberta, não alivia
Em meio a neblina, eu te procuro

Escuto um clamor, um pedido, um socorro
Uma exclamação forte e sonora que exprime essa dor
A voz vem de dentro, mas é confusa
Já não sei mais quem sou
Mas ainda assim, eu te procuro.

Entro e saio do pânico, como quem busca defesa
Indago por uma gaveta, um local, um recinto
A faca que se destaca, brilha feito brinco de princesa
Transpassa lado a lado, faz o sangue correr e o peito doer
Enigmas e aborrecimentos que eu já nem sinto
Vou para o céu , para o inferno ou pro além
Estou onde estou, mas ainda assim
Eu te procuro.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

vertigem

Uma adolescente que não sente-se como tal.Ela percebe somente o seu próprio espaço real (ou imaginário) , não ocupado por coisa alguma.Procura entender a realidade, o desenrolar dessa vida tão superficial que tende ao infinito.Infinito este, que está prestes a acabar, caso ela não tire o véu de desconfiança que a cega.
Não confia em ninguém, nem mesmo na imagem túrgida de perversidade que o espelho do banheiro reflete. Essa menina só causa desgostos aos pais.É olhada de cima a baixo e acaba sempre sendo julgada pela face ranzinza que por nada, nem ninguém, se desfaz.Os fantasmas de seus medos a cercam a todo momento.Ela ouve a voz da própria consciência.Vive de contradições.Sente-se vazia e repleta de temores.Diz-se muda, mas a voz do seu íntimo insiste em chorar alto e forte.Grita por socorro, pede ajuda mesmo que a recuse.Seus heróis estampados no quarto, parecem não ser mais tão valentes assim e perdem seu valor para as poesias, contos escondidos nas entrelinhas dos rabiscos na parede.Ela cria e descria personagens na tentativa de encontrar-se diante sua vertigem.
Vive assim, de loucuras momentâneas e tentações súbitas.O grito agonizante é amortecido pelo soluço das tão salgadas lágimas.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

sem título¹

Os pingos de água parecem cair mais fortes naquela terça-feira cinzenta.Ela caminha apressada pela calçada.O sapato , já encharcado, parece não acompanhar os seus passos.Olha no relógio embaciado de pulso e subitamente vê que está atrasada.Já são dez horas.Nove e meia ele estaria lá.
“Café Bom Gosto” registra a placa já exausta de tantos outonos.Fecha o guarda chuva, entra e procura pelo moço de barba.Ele demora ainda meia hora para chegar.
Suspirando seus tormentos, ele escolhe a mesa mais escondida para se acomodar.Os dois se olham e a conversa começa.Ele pede café.Ela, o mesmo de sempre: o bom e velho chá.
Ela espera ouvir da boca dele a tão esperada notícia. Ele, que sempre foi de falar nas entrelinhas, parece não ter a novidade.Ela o pega pelas mãos e jura amor eterno.Ele pede para a moça conter-se, afinal, estão em local público.Tristonha, ela finge entender.
Ele a beija as mãos e afirma que no próximo encontro, já terá resolvido o problema.Ela finge acreditar.
Ele faz suas juras utópicas e ela se delicia em suas palavras.Diz ter que voltar para a casa, para poder tirar o perfume dela de sua roupa. Pede a conta, e diz estar atrasado pra pegar a filha na escola.Ela, com os olhos semi lacrimejados pede , mais uma vez, que ele resolva a situação.Ele a toma pelos braços e promete, que dessa vez, tudo dará certo.Ela sorri, e finge acreditar.Ambos saem do café.Ele para um lado, ela para outro.Ele, para esposa.Ela, no papel de amante.